Crianças e números<br>em anos terminados em nove

Luísa Araújo (Membro do Secretariado)
O que as estatísticas nos contam quando as crianças são contadas é parte do título de um trabalho de investigação sobre a infância nas estatísticas em Portugal entre 1875-1925(1). As estatísticas aproximam-nos do real, descrevem um país, uma região ou o mundo, identificam políticas, esclarecem e contribuem para a mobilização da opinião pública.
1919, a Sociedade das Nações criou o Comité de Protecção da Infância
1959, a ONU aprovou a Declaração dos Direitos da Criança
1979, foi o Ano Internacional da Criança
1989, a ONU aprovou a Convenção sobre os Direitos da Criança

O bem-estar da criança é multidimensional e passa pela interacção de vários factores, nomeadamente: mercado do trabalho, recursos económicos, agregado familiar, educação, saúde, habitação, inserção social, no essencial têm a ver com políticas governamentais.
A recomendação de transformar a Declaração dos Direitos da Criança (de cumprimento não obrigatório) em Convenção, foi da Conferência Mundial para um futuro de paz e segurança para as crianças de todo o mundo, realizada na União Soviética, em Moscovo, no âmbito do Ano Internacional da Criança. A Convenção viria a ser aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em 20 de Novembro de 1989 e representa um vínculo jurídico para os Estados que a ela aderiram. Apenas dois países não a ratificaram: os Estados Unidos da América (EUA) e a Somália (em consequência da agressão dos EUA não tem governo reconhecido).
O Art.º 2 da Convenção afirma que os Estados membros tomam todas as medidas adequadas para que a criança seja efectivamente protegida contra todas as formas de discriminação ou de sanção.
Hoje, em 2009, milhões de crianças no mundo sobrevivem sem os direitos fundamentais ao seu desenvolvimento intelectual e físico. Anualmente, como que a «assinar o ponto», são divulgadas estatísticas e elas traduzem a gravidade da situação da humanidade. Uma infância feliz é condição essencial para a formação de cidadãos física, intelectual e emocionalmente felizes. Os números contam pelas crianças e o seu sofrimento não é traduzível em dados matemáticos. Depois, reflectem-se em gerações sucessivas que carregam as consequências da sua infância e o peso da continuidade nos seus descendentes.
Em 1979, segundo dados da Organização Mundial de Saúde e da UNICEF(2), em 109 países, 800 milhões de crianças viviam em condições de saúde precárias. Trinta anos depois, indicadores da UNICEF referem que 1 000 milhões de crianças não têm acesso a serviços essenciais à sua sobrevivência e desenvolvimento.

O direito a conhecer os seus direitos

A pobreza infantil está a aumentar nos países mais ricos, sendo o México e os EUA os que apresentam as taxas mais elevadas(3). Em Portugal, uma em cada quatro crianças é pobre. Pobreza monetária, privação, bem-estar educativo e habitação, resultantes essencialmente dos baixos recursos financeiros disponíveis para as famílias, criam uma situação particularmente grave às crianças portuguesas cujo risco de pobreza aumentou de 21 para 23%, cabendo ao Estado a grande responsabilidade, nomeadamente pelos baixos níveis de rendimentos proporcionados pela Segurança Social(4).
É reaccionária, demagógica e desumana a posição contra o Rendimento Social de Inserção, elemento de protecção social a quem se encontra desprovido de meios mínimos de subsistência, defendendo o PCP que a sua atribuição considere os menores no agregado familiar.
Esta posição do PCP, assim como a defesa da aplicação do princípio da universalidade do abono de família e do subsídio de nascimento e o alargamento do abono de família aos jovens até aos 18 anos em respeito pelas determinações das Nações Unidas, visa que às crianças, independentemente do agregado familiar em que estão inseridas, seja garantida uma infância plena de direitos, com saúde, educação, habitação em condições de igualdade.
O Estado português, em 1990, ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança. Está obrigado a cumpri-la. A Estratégia Nacional para a Infância e a Adolescência está em preparação há anos.
Por altura do Ano Internacional da Criança, uma menina de 9 anos, Manuela Cristina, disse a propósito da Declaração dos Direitos da Criança: foi há 20 anos que um grupo de homens importantes se reuniram para escreverem sobre os direitos da criança(5).
No texto da Convenção agora assinalada está consagrado à criança o direito à liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias de toda a espécie. As crianças portuguesas têm o direito de conhecer os seus direitos. Pugnar por isso é uma questão de respeito por elas e uma atitude para cumprir e fazer cumprir esses direitos.
2009. Recordamos, no mundo também há milhões de crianças felizes.
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(1) Cristina Rocha, Manuela Ferreira e Tiago Neves – Investigadores do Centro de Investigação e Intervenção Educativa (CIIE) da FPCE-UP.
(2) Fundo das Nações Unidas para a Infância.
(3) Relatório da UNICEF «A Pobreza Infantil nos países ricos - 2005».
(4) Portugal. Combater a pobreza infantil e promover a inclusão social das crianças. Isabel Baptista, 2007.
(5) Suplemento do JN, 13 de Novembro de 1979.


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